quinta-feira, 15 de abril de 2010

Diálogo II

Neste segundo diálogo, abordaremos as noções relacionadas ao estudo dos fatores de textualidade. Para isso, serão expostas as concepções de Maria da Graça Costa Val, presentes no livro Redação e textualidade. Além das definições, abordaremos questões pertinentes ao assunto, bem como ilustraremos tais conceitos a partir de alguns exemplos selecionados especialmente para esse fim.
Para adentrarmos aos conceitos concernentes aos fatores textuais, convém, antes de tudo, sabermos o que vem a ser textualidade.

O que é textualidade?

Para alguns estudiosos, o texto permeia toda a nossa atividade comunicativa, pois é através dele que realizamos a contento a atividade de comunicar. Assim, podemos dizer, embasados em Bakhtin e, de uma maneira bem ampla, que nós nos comunicamos através de textos e não apenas através de frases e palavras, como já se acreditou antes.
Mas, o que faz com que uma sequência de frases e palavras tenha o caráter de texto? Vimos no “diálogo I”, uma série de fatores que caracterizam um texto, vimos, por exemplo, que um texto deve ter uma unidade semântica, servir como meio de interação e vimos ainda que um texto precisa ter, para ser considerado como tal, uma certa estruturação formal. Estes fatores sublinhados estão correlacionados, de uma bem direta, aos fatores de textualidade.
De uma maneira didática, podemos dizer que textualidade é tudo aquilo que fornece a um construto linguístico o caráter de texto. Portanto, É O QUE FAZ UM TEXTO SER CONSIDERADO COMO TAL.
Falando assim é fácil compreender, mas, além de compreender, é necessário para nós (como futuros professores) não só compreender e identificar como também analisar a textualidade, analisando, mais especificamente, os fatores responsáveis pela textualidade, verificando se eles garantem a integridade semântica de uma redação escolar, por exemplo. Essa é uma tarefa muito difícil porque, muitas vezes, esses fatores não são visíveis na superfície textual, nós que devemos reconstruí-los a partir de nossos conhecimentos prévios, assim, não podemos simplesmente apontá-los e sublinhá-los.
Antes de começarmos a definição, cabe-nos uma ressalva: a divisão dos fatores textuais que será feita aqui, como alerta muitos teóricos, é puramente didática, visto que tais fatores coatuam e, muitas vezes, são indissociáveis na tessitura textual.

Beaugrande e Dressler (1983) dividem em dois grandes grupos os sete fatores responsáveis pela textualidade.

A) Neste primeiro grupo, estão inseridos os fatores responsáveis pela composição semântico-conceitual e pela materialização lingüística, estes são: coerência e coesão.


B) No segundo grupo, estão compreendidos mais cinco fatores que são responsáveis pelo caráter pragmático de um texto, entre eles temos: intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade.

Iniciaremos então a conceituação e analise de cada fator, começando pela coerência, que, como já dissemos, diz respeito à integridade semântico-conceitual de um texto.

Atualmente há, porém, um “novo olhar” sobre a coerência. De acordo com essa visão, coerência não é apenas a unidade semântica, “mas também todas as inferências que precisam ser feitas para que os sentidos sejam construídos”. Ainda, segundo tal perspectiva, não há um texto totalmente incoerente, visto que todo locutor tem por intenção a de se fazer compreendido, o que ocorre, muitas vezes - por conta do desempenho não desenvolvido do locutor que tem por consequência a não compreensão do sentido por parte do interlocutor - são incoerências locais.*

O que é coerência?

Segundo Costa Val, a coerência é:

• Um fator subjacente, isto é, anterior à superfície textual;
• De todos os fatores, o mais relevante, por garantir o sentido;
• Envolve em seu bojo, além de aspectos lógicos e semânticos, também aspectos cognitivos.

Dizemos que um discurso é coerente quando seu sentido é recuperado pelo interlocutor, pois como já deixamos claro, um texto é feito de lacunas e cabe ao interlocutor fazer inferências para preencher essas lacunas.
Vamos a um exemplo:
Ex 1:




• Considerando o texto da campanha acima, você acha que o fato de estar dirigindo após ter ingerido bebida alcólica tem alguma relação com o elemento “igreja” e “daqui a sete dias”? Por que?

• Há alguma relação entre as expressões “igreja lotada” e “que coisa linda!”? Qual? Por que?

• Em sua opinião, qual foi a intenção do produtor do texto?

• Você consegue apontar alguma informação que é sugerida pelo texto, mas que não está explicitada no cotexto? Tente pensar em palavras ou ideias que são fundamentais para a compreensão desse texto, mas que não vêm expressas.
Exercício do texto “tragetória da linguística textual” (Ingedore Koch)



• Explique as concepções de texto, de acordo com cada momento da Linguística Textual, traçado por Koch.

• Em que consistia as “análises interfrásticas” e com qual momento da Linguística Textual podemos relacioná-las?


• Qual foi a contribuição da “virada pragmática” para os estudos relativos à Linguística de Texto?

• Utilize a piada abaixo para ilustrar como, à luz da Linguística Textual, existe uma negociação entre entorno socio-cultural e cognição.


MANUEL

O Manuel está andando na rua, quando vê uma casca de banana a uns cinco metros de distância. Na mesma hora ele pensa:
- Ai, Jesus! La vou eu cair de novo!

O que é texto?


Há, pelo menos, três noções do que vem a ser um texto:


• Um artefato (produto) da inteligência de um autor;

• Um evento comunicativo: esta visão está bastante ligada às funções de linguagem de Jakobson, que lançava holofotes sobre a mensagem e delimitava o emissor como componente ativo e o receptor como passivo;

• Hoje, prevalece, no entanto, a noção de texto como um acontecimento sociocomunicativo cultural e cognitivo: segundo essa perstiva, o foco de um texto é a interação entre locutor-texto-interlocutor, assim, não há passividade, pois um “leitor”, ao ler um texto participa do processo de construção de seu sentido, fazendo, a todo instante, inferências, isto é, preenchendo as lacunas de um texto.


Para compreender melhor, vejamos o exemplo de uma tirinha, produzida pelo artista Carlos Ruas Bon, autor do blog um sábado qualquer.

EXEMPLO 1:



Então, feita a observação da tirinha acima, podemos constatar que, nós leitores, no momento da leitura, construimos uma unidade de sentido para o texto, portanto somos parte ativa na interpretação deste. Preenchemos, assim, diversas lacunas que o texto suprime em sua superfície, como, por exemplo, indentificamos um personagem como Deus – para isso recorremos em nossa mente à “informações prévias” acerca da figura de Deus. De acordo com o nosso conhecimento culturalmente compartilhado, quem mais trabalhou seis dias e no sétimo descansou? – reconhecemos outro personagem como homem, ainda utilizando o mesmo tipo de conhecimento, isto é, de acordo com nosso conhecimento de mundo – construido socio-culturalmente – inferimos que o personagem que figura ao lado de Deus pode ser um homem, por estar em um plano bem reduzido em relação a figura de Deus e por figurativizar uma “imagem” que já temos contruida como a representação de um homem etc. No texto não está explicitado que o período de carnaval é feriado nacional, mas essa informação também é inferida por nós.
Vamos observar outro exemplo.
* EXEMPLO 2:



Do mesmo modo como foi abordado no exemplo 1, para que o leitor possa construir o sentido da tirinha acima e para que o objetivo de causar o riso seja satisfatório, várias inferências são feitas no momento da leitura.
O conhecimento de mundo é mobilizado e assim o leitor é capaz de identificar a relação entre os personagens e entender a alusão que o texto faz ao criacionismo x darwinismo. É, porém, muito importante lembrar que esse conhecimento “ativado” no momento da leitura parte da superfície do texto, isto é, parte de marcadores linguíticos; como, por exemplo, do excerto “..mais alguns milhares de anos” que nos autoriza a relação com a teoria do evolucionismo, de Darwin, segundo a qual, partindo de um ancestral comum, os seres evoluem ao longo dos anos, até obterem a forma que tem hoje. Além do mais, temos, antes de tudo, a representação dos personagens, que apesar de constituirem desenhos também fazem parte do texto.

Três são os tipos de conhecimento que mobilizamos no ato da leitura, que, de acordo com Koch (2002), são três sistemas de conhecimento: linguístico, enciclopédico e interacional:
• O conhecimento de mundo: conhecimento construido socio-historico e culturalmente. É um conhecimento bem geral e que é compartilhado pelos integrantes de uma sociedade;

• O conhecimento linguístico: conhecimento que nos permite observar, por exemplo, se uma sentença está bem constituida do ponto de vista morfológico, sintático, semântico e lexical. “Segundo Koch e Elias (2006), tendo por base esse conhecimento, compreendemos: a estruturação linguística dos enunciados, o uso dos meios coesivos e a seleção lexical adequada ao tema”. Para ilustrar melhor, vamos ao exemplo:

** “ Rubinho é um ás no volante.”
Para apreendermos o sentido do trocadilho, reconhecemos a algutinação de ás e no = asno. Tal conhecimentos é da ordem linguística.

• O conhecimento interacional: conhecimento que nos permite identificar o tipo de texto, suas sequências e seu gênero e, ainda, por extensão da identificação do gênero, nos permite identificar, ainda, o provável meio de sua circulação, suas intenções etc. Vamos ao exemplo:
Galinha Escabelada
Ingredientes
um peito de frango
uma cebola
dois tomates
temperinho verde
extrato de tomate
batata palha
queijo mussarela
Modo de Preparo
cozinhe o peito de frango e desfie, pique a cebola e os tomates, refogue a celoba e o tomate coloque o extrato de tomate e o temperinho verde. Coloque num refratário o molho de frango e por cima a batata palha e por cima da batata coloque o queijo. Coloque no forno numa temperatura de 200 graus até o queijo derreter e está pronto para servir. Para o acompanhamento: um arroz branco. ( retirado do site maisvocê)

Ao lermos o título do texto acima, naturalmente, preparamo-nos para a leitura de um texto do gênero receita e identificamos, sem muito esforço, diversas iformações sobre texto, partindo do conhecimento de seu gênero. Assim sabemos que o texto tem um proppósito comunicativo, o de ensinar alguém a fazer algo e que tal tipo de texto é comumente constituído por duas seções: primeiro, uma parte que lista os ingredientes e a outra reservada ao modo de preparo: parte que contem instruções de como se deve fazer.
Esse diálogo tem o compromisso de complementar, através dos exemplos e ilustrações, o nosso conhecimento sobre texto. Entendemos e ilustramos melhor:

• Os conceitos de texto;
• A atual concepção de texto como interação locutor-texto-interlocutor;
• A definição e ilustração dos três tipos de conhecimento – de mundo, linguístico e interacional.

Por fim, espero que tenha sido de alguma utilidade e, motivada por esse desejo e pela colaboração de todos, deixo uma abertura para outros debates como esse. No próximo, abordaremos a concepção de propósito comunicativo e daremos início a conceituação de fatores de textualidade, termo analisado no texto texto e textualidade, de Costa Val, disponível na xerox da boblioteca.
*Tirinha presente no artigo Intertextualidade e construção do sentido risível no gênero tira de humor de autoria das alunas Ana Maria Cavalcante, Cíntia Araújo, Jane Mara Ximenes e Maria Tatiana Silva, foi apresentado à Profª Drª Maria Margarete Fernandes como atividade para obtenção de créditos na disciplina Linguística de Texto
**Conceito e exemplo retirados do material didático da disciplina de Texto e Discurso, ministrada pela Profª Drª Mônica Cavalcante, no semestre 2008.2.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
KOCH, Ingedore V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.
KOCH, Ingedore G.V.; ELIAS, Vanda Ma. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006.
www.umsabadoqualquer.com; acessado em 06 de março de 2010.

Apresentações

Olá,
Este blog foi pensado e desenvolvido para atender as demandas didáticas da monitoria de Linguística de texto do curso de Letras da UFC. Aqui discutiremos assuntos pertinentes à linguística textual.
Antes de tudo, cabe uma breve explicação acerca do gênero: ele foi escolhido para ser apenas mais uma ferramenta no monitoramento da disciplina, isto é, para nos aproximar ainda mais, e isso por conta das diversas facilidades que apenas o meio virtual pode nos proporcionar.
Na primeira visita que fiz a sala de aula falei sobre a possibilidade de elaborar uma monitoria virtual, mas, naquele momento, tinha em mente apenas meios de conversa instantâneos, como o msn, por exemplo, mas logo percebi que o blog é muito mais eficaz, por conta do sistema de postagens e comentários, e ainda por eles ficarem expostos de maneira que todos tenham acesso em qualquer momento do dia.
Fica aberto o espaço para discussões, questionamentos e sugestões.